sexta-feira, 2 de abril de 2010

ESCREVER COMO O POVO FALA



 

 Estou no campo e oiço o mar, o oceano, esse gigante a rebentar em vagas contra as janelas, ou será vento, não sei, apenas a lembrança sobrevive, só ela, dá esta certeza da paisagem do dia anterior, impossibilitada que estou de a ver, os postigos fechados como estão,


a menos, que o mar tenha galgado a terra, tão longe estou do areal, tão longe ando, para o ver desabar, aqui na região parisiense, não ouvi hoje o meteorológico boletim, será a chuva, será, será que o Augusto Gil andou por aqui a amandar palavras à minha imaginação, de neve ainda não se trata, que não está o ano frio por ora, mas cedo virá, há-de ser um dó, ver essas estradas todas de lama escura, com os carros a marcar passo, e a gente aflita para ir para o trabalho, coitada da gente, muito trabalho dá sobreviver, como se de verdadeira vida se tratasse, este passar de tempo a caminho do inevitável, e sempre tão apressados que até parece que nos está esperando o sonho ou o amor, mas qual, afinal o que nos espera são as ventas antipáticas do chefe e o amor esse foi tragado pelo tempo, se ao menos o social andasse pouco mais ao menos, mas qual, adeus mundo, cada vez a pior, ora, ora, que bem usamos nós despertador, mas não nos desperta nada, faz-nos saltar da cama, lá isso faz, mas é tudo, vamos pelo caminho, estremunhados, sem nos apercebermos quase do destino comum, bem que ouvimos dizer, olha bem, lembra-te que nas costas dos outros vês as tuas, mas por mais que olhe para as costas do parceiro não vejo nada, só vejo costas, umas mais estreitas outras mais largas, Ah, que se calhar é isso, ter as costas largas, querem ver que sou o novo Edison das costas, será que se fez luz  nas costas alheias para poder ver as minhas, será que quando alguém tem as costas largas estamos diante dum trouxa, ou dum desgraçado, que não sabe as voltas que há-de dar à vida, é mesmo assim curioso, o que as costas podem aguentar, mas ao contrário segundo parece o que tem as costas quentes não precisa de aguentar nada, deve haver alguém com as costas largas, que aguente por ele, se ao menos nos dessem tempo para reflectir, sem este afogadilho de acontecimentos que mal deixa pensar, a pensar já a malta se comprazia que sempre se vê algum resultado, como comigo a pensar nas costas, mas se mal se tem tempo disso como vão surgir as soluções para os verdadeiros problemas, que são mais complicados, que aqueles  feitos na instrução primária, quando por caturrice nos punham diante do tanque, com aquela torneirona, a enchê-lo, enquanto outra, o esvaziava, que até parecia embirração, arre burro, e agora que estávamos livres dessa carga de trabalhos, aparece-nos a vida a encher por um lado e a vazar por outro, que é até esgotar a nossa paciência até ao fim da viagem, que viajamos até sem disso termos vontade, como o Blé, que ia no comboio para França, a armar em turista e às duas por três lá a PIDE lhe diz que não senhor que não pode sair do país e o pobre do Blé a tremer que nem varas verdes e a responder: até calha bem assim vou tomar conta das minhas propriedades.


Marília Gonçalves

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